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BIODIESEL E INCLUSÃO SOCIAL-Partes III/IV-Depoimento da Ex-Dep. Fed. Mariângela Duarte


 TERCEIRA PARTE

 

Finalmente, atendendo a recomendação n° 11 do Relatório, o Presidente Lula, em 23.12.03, baixou Decreto instituindo a Comissão Executiva Interministerial do Biodiesel (CEIB), encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal-biodiesel, como fonte alternativa de energia.

 

A CEIB constitui-se de 13 ministérios, coordenados pela Casa Civil da Presidência da República, tendo, como unidade executiva, um Grupo Gestor, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, com representantes de 10 ministérios, além do BNDES, da ANP, da Petrobras e da Embrapa.

 

Por outro lado, em 16.05.04, atendendo recomendação da videoconferência realizada pelo Conselho de Altos Estudos, seus membros, os Deputados Ariosto Holanda, Luiz Piauhylino, Félix Mendonça, Gilmar Machado, João Paulo Gomes da Silva, José Ivo Sartori, José Linhares, Luiz Carreira, Luiza Erundina, Marcondes Gadelha, Telma de Souza e Luiz Bittencourt deram entrada no Projeto de Lei 3.368 em 16.05.04, que dispunha sobre a obrigatoriedade de adição de dois por cento de biodiesel ao óleo diesel; sobre o cultivo de oleaginosas a serem utilizadas na fabricação de biodiesel;e sobre a produção e a comercialização desse biocombustível.

 

À vista de toda participação do IVC no processo que culminou com o envio à Câmara do Projeto de Lei referido e de toda sua expertiseno assunto, enviei-lhes o Projeto para suas considerações e eventuais sugestões, as quais foram feitas e a mim encaminhadas.

 

Em 26.08.04, a sessão plenária da Câmara foi transformada em Comissão Geral para debate acerca do tema O Biodiesel e a Inclusão Social, para o lançamento do 1° Caderno de Altos Estudos - Biodiesel e Inclusão Social e também para comemorar o primeiro ano de reinstalação do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados. Com a palavra, o Deputado Ariosto Holanda mencionou a participação dos representantes do IVC que discorreram sobre combustíveis renováveis, emprego e renda no campo. Com a palavra o Eng. Agr. Mário Sérgio Trento, representando o IVC, agradeceu esta Deputada por ter provocado a primeira Audiência Pública sobre o assunto, em 07.05.03, e a consequente indicação ao Governo Federal para a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial. Também, este pronunciamento, pela sua magnitude e importância, será transcrito na sua totalidade, em separado.

 

Em 13.09.04, foi editada a MP n° 214, introduzindo o biodiesel na matriz energética brasileira e dando outras providências. Com as justificativas cabíveis, apresentei aos meus pares uma Emenda Modificativa à MP referida.

 

Em 23.09.04, o Presidente Lula, em entrevista coletiva, anunciou o projeto que pretende colocar em prática, atingindo principalmente a região nordeste, para produção de biodiesel. Ele acredita que o projeto estará pronto até novembro. "Vai ser um projeto que eu diria revolucionário. Nós vamos dar uma contribuição para começarmos a mudar a matriz energética brasileira", enfatizou o Presidente da República naquela oportunidade.

 

Em 16.11.04, com relatoria do Deputado Betinho Rosado, a MP n° 214 foi convertida em Projeto de Lei. A proposta inicial do Executivo previa a mistura facultativa do biodiesel ao diesel, enquanto o Projeto de Conversão previa a mistura obrigatória. Depois de intenso processo de negociação e entendimento entre representantes do Executivo e do Legislativo, prevaleceu a obrigatoriedade da mistura, mas se concedeu um prazo até 1º de janeiro de 2008 para a entrada em vigor desse caráter compulsório. Como colocarei adiante, esse prazo foi aproveitado de forma competente pelo Governo Federal, transformando-o num rico processo de aprendizado em praticamente toda a cadeia produtiva do biodiesel.

 

Em 24.11.04, as Resoluções de nºs 23 a 42 da ANP estabeleceram todas as normas regulatórias que lhe competiam sobre biodiesel.

 

Em 03.12.04 recebi convite da Casa Civil para o evento de lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel - PNPB, a ser realizado no Salão Nobre do Palácio do Planalto, com a presença do Exmo. Sr. Presidente da República, no dia 06.12.04, convite esse enfatizado com as seguintes palavras, que muito me gratificaram e honraram:

 

"Como parlamentar engajada, desde o início dos estudos feitos pelo GTI do Biodiesel, na introdução desse novo combustível renovável e limpo em nossa matriz energética, com vistas à inclusão social da Agricultura Familiar, vossa presença no Evento é indispensável".

 

Em 06.12.04 realizou-se mencionado evento e, com a presença do Sr. Presidente, foi lançado o PNPB, tendo o mesmo, em seu discurso, ressaltado a importância do Programa para o desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e do Semi-Árido do País pelo grande potencial para o plantio de oleaginosas. "Este é um programa que pode significar um importante projeto para o desenvolvimento de uma região brasileira que precisa de uma chance. É um projeto que pode significar muita coisa para regiões mais pobres do País", afirmou Lula.

 

 No mesmo dia 06.12.04 foi editada MP nº 227, depois convertida no Projeto de Lei n° 2, de 2005, sobre o Registro Especial de Importador ou Produtor de Biodiesel, os Decretos nºs. 5.297 e 5.298 sobre incidência da Contribuição para o PIS/Pasep, e Cofins e do IPI (alíquota zero para o biodiesel), sendo que o primeiro deles instituiu também o  selo "Combustível Social" que foi regulamentado, como veremos na última parte deste depoimento, por Instruções Normativas do MDA.

 

QUARTA PARTE

 

Para completar todo o marco regulatório sobre Biodiesel e Inclusão Social, no dia 13.01.05, foi sancionada a Lei n° 11.097 que dispôs sobre a introdução do Biodiesel na matriz energética brasileira, obrigando a adição de percentuais de biodiesel no diesel fóssil e, coroando nossa luta. Reza no seu Art. 2°, § 4° o seguinte:

 

"O biodiesel necessário ao atendimento dos percentuais mencionados no caput deste artigo terá que ser processadopreferencialmente (grifei), a partir de matérias primas produzidas por agricultor familiar, inclusive as resultantes de atividade extrativista."

 

Aqui faço uma pausa no meu depoimento para indagar: será que a Lei está sendo cumprida nesse item? Ou será que a Agricultura Familiar está sendo "engolida" por grandes produtores, como vaticinavam alguns, nos debates internos do GTI? Voltaremos a esse tema mais adiante.

 

Continuando: em 22.02.05, o Secretário da Receita Federal baixou a Instrução Normativa n° 516, regulamentando o registro especial a que estão sujeitos os produtores e importadores de biodiesel.

 

Em 18.05.05, a Lei 11.116, a par de ratificar o que se dispôs sobre registro especial de produtores e importadores de biodiesel, ratificou também as normas sobre incidência das Contribuições Sociais adrede estabelecidas, além de alterar as Leis 10.451, de 10.05.02 e 11.097, de 13.01.05.

 

Em 20.05.05, o Decreto n° 5.448 regulamenta o § 1° do art. 2° da Lei 11.097, de 13.01.05, autorizando a adição de 2% de biodiesel no diesel, até que a mesma se tornasse obrigatória, como rezava a Lei 11.097, de 2005.

 

Em 05.07.05, a Instrução Normativa do MDA de nº 1, dispôs sobre os critérios e procedimentos relativos à concessão de uso do selo "Combustível Social."

 

Em 30.09.05, a Instrução Normativa n° 2, do mesmo MDA, dispôs sobre os critérios e procedimentos relativos ao enquadramento deprojetos de produção de biodiesel ao selo "Combustível Social".

 

Em 23.09.05, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), mediante a Resolução CNPE nº 3, antecipa para 1º de janeiro de 2006 a entrada em vigor da mistura obrigatória de 2% (B2), estabelecida na Lei nº 11.097, de 2005, limitando a adição ao volume de biodiesel produzido por empresas detentoras do selo "Combustível Social".

 

Essa antecipação da vigência da mistura obrigatória B2, limitada à oferta de biodiesel produzido por empresas vinculadas à agricultura familiar, pode ser chamada de fase experimental do PNPB. Com a experiência adquirida nessa etapa, em 1º de janeiro de 2008 entra efetivamente em vigor a mistura obrigatória B2, por meio da Resolução CNPE nº 5, de 03.10.07, seguida da Resolução ANP nº 33, de 30.10.07.

 

Essa Resolução CNPE nº 5 merece destaque especial. Além de estabelecer as diretrizes gerais para a realização de leilões públicos para aquisição de biodiesel necessário à mistura obrigatória B2, que somente entraria legalmente em vigor em 1º de janeiro de 2008, determinou que 80% do volume de biodiesel adquirido seja proveniente de usinas com selo “Combustível Social”. Essa determinação é a que sustenta, até hoje, a participação da agricultura familiar no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). De fato, sem a participação da AF, a usina de biodiesel não pode receber esse selo e, sem ele, a empresa somente pode disputar 20% do mercado compulsório de biodiesel para a mistura estabelecida em lei.

 

Em 13.03.08. a Resolução CNPE nº 2 antecipou para 1º de julho de 2008 o prazo de obrigatoriedade do percentual mínimo de 3% (B3). Por meio de resolução de mesma numeração, de 27.04.09, o CNPE antecipou para 1º de julho de 2009 a obrigatoriedade da mistura B4, cabendo à Resolução CNPE nº 6, de 16.09.09, antecipar para 1º de janeiro de 2010 a vigência obrigatória da mistura de 5% de biodiesel ao diesel fóssil (B5).

 

Esse percentual de mistura, que vigora até hoje, correspondeu a uma antecipação em três anos da meta estabelecida pela Lei nº 11.097, de 13.01.05. Nesse período, o biodiesel tem contribuído para reduzir necessidades de importações complementares de diesel para o abastecimento nacional, poupando preciosas divisas.

 

Tem contribuído também para promover a inclusão de milhares de agricultores familiares no PNPB, como era desejo do Presidente Lula, mas vemos retornar vozes muito assemelhadas àquelas que, na finalização do Relatório Final do GTI Biodiesel, em 2003, não acreditavam na possibilidade de participação ativa da AF na cadeia produtiva do biodiesel, papel que somente poderia ser desempenhado pelos grandes produtores de soja.

 

É bem verdade que a soja tem sido a principal fonte do biodiesel, com cerca de 80% do total, ficando o sebo bovino com aproximadamente 15% e as demais matérias-primas com o restante. Entretanto, parte expressiva dos produtores de soja vinculados ao PNPB por meio do selo "Combustível Social" são agricultores familiares, especialmente na região Sul. Esse processo inclusivo precisa ser adensado mesmo na região Sul, mas também nas demais e, sobretudo, nas regiões mais carentes.

 

De fato, o principal desafio do PNPB na esfera da inclusão social e do desenvolvimento regional situa-se nessas regiões, ou seja, no Norte, no Nordeste e no Semi árido. Entendemos que é chegada a hora de incorporar lições apreendidas nessa trajetória de razoável sucesso do biodiesel no Brasil e superar esse desafio com um modelo de assistência técnica que efetivamente sirva de suporte permanente aos agricultores familiares.

 

Nosso agricultor familiar, sobretudo o das regiões mais pobres, constitui o elo mais frágil de nossa agricultura e está de tal modo desencantado com a vida, que precisa, antes e acima de tudo, ser estimulado e convencido a mudar. E não são apenas palavras que farão esse verdadeiro milagre, mas a informação técnica passada de modo simples, amigável e didático, o acompanhamento pari passu de seu trabalho, desde a preparação da terra até a colheita e a comercialização e também o exemplo de casos bem sucedidos. O exemplo sempre traz mais e mais seguidores e o processo vai se firmando gradativamente.

 

No Brasil, desconhecemos uma metodologia de assistência técnica semelhante à preconizada e já aplicada na prática com total sucesso, como a do IVC. Ela transfere para a realidade de nossa agricultura familiar o princípio do médico de família que procura antes prevenir do que remediar, pois é mais barato e mais eficiente. Dentre outros aperfeiçoamentos que preconizamos para o PNPB, fortalecer a assistência técnica aos nossos agricultores familiares é uma das principais medidas que aguardamos ansiosamente de nossas autoridades que comandam os destinos desse Programa. E aguardamos com fundadas esperanças, inclusive porque grande parte daquela valorosa equipe que num prazo tão curto e de forma tão competente introduziu esse novo biocombustível em nossa matriz energética continua à frente do PNPB.

 

Esperamos, sinceramente, que os resultados ainda modestos (diante do potencial) de inclusão da agricultura familiar no biodiesel multipliquem-se para que esses agricultores familiares que vêm lutando sua vida inteira em busca de algo melhor para sua família de fato encontrem no Programa do Biodiesel esse verdadeiro passaporte para a cidadania.

 

Caso contrário, as cidades ficarão ainda mais “inchadas” com a aglomeração de desempregados pouco qualificados expulsos do campo. Os problemas sociais decorrentes serão agravados em nossos principais centros urbanos. E não devemos ter medo de dizer que problemas sociais constituem uma expressão muito suave para espelhar a gravidade desse verdadeiro processo de degradação humana que, não raro, se traduz em desemprego crônico num mundo sob a égide da globalização, ou mesmo em prostituição, em proliferação de favelas e no engajamento de desempregados no crime organizado, muitas vezes por absoluta falta de alternativas dignas de sobrevivência.

 

Os remédios para esse processo de degradação ou são muito amargos, como a repressão policial e as prisões e penitenciárias, ou os programas assistenciais do governo. Estes, por sua vez, terão de multiplicar-se para atender uma demanda crescente e isso tende a minar as finanças públicas, drenando recursos de programas estruturantes como educação, saúde, saneamento e infraestrutura. E aí somente vai restar aquele velho, mas lamentavelmente verdadeiro jargão popular: em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão.

 

Definitivamente, não é isso o que queremos para nosso pujante Brasil, até porque não precisamos e não podemos nos conformar com esse triste desfecho para um Programa que tem tudo para ser bem sucedido em sua inovadora vertente social. Essa dimensão social não tem paralelo no mundo e, nestes tempos em que tanto se clama pela sustentabilidade socioambiental, pode abrir portas no mercado internacional para exportarmos o biodiesel brasileiro, alavancando ainda mais seu potencial de inclusão social e de desenvolvimento regional. Mas, antes disso – um sonho perfeitamente realizável, – precisamos, em tempo hábil, colocar as peças certas nos seus devidos lugares.

 

A assistência técnica integral, multidisciplinar, pró-ativa e permanente é uma peça absolutamente fundamental porque está focada no progresso material e social do homem geralmente humilde que lavra a terra para transformar a energia do sol em energia para os mais diversos usos. Trata-se de um bem cada vez mais necessário e demandado por nossa economia e nossa sociedade e que podemos “cultivar” neste imenso País com o trabalho edificante e digno de nossos agricultores familiares, proporcionando-lhes a oportunidade de se sentirem partícipes dessa verdadeira onda de cidadania que hoje envolve o Brasil de norte a sul e que, ao cabo de contas, consiste em trocar a luta diária pela sobrevivência pela real perspectiva de progresso.

 

A luta pela sobrevivência desanima e acaba aniquilando o homem, mas a perspectiva de progresso o motiva, o encoraja, o fortalece e ele acaba adquirindo impulso próprio. Não temo afirmar que nesses pilares se apóiam as bases do desenvolvimento material e social dos países considerados desenvolvidos e mesmo de diversos segmentos de nossa sociedade e de nossa economia.

 

Vamos, portanto, multiplicar esses exemplos bem sucedidos que temos à frente de nossos próprios olhos, mobilizando de forma humana, inteligente e eficiente, por meio de um modelo de assistência técnica ajustado à nossa realidade, como o do IVC, essa verdadeira poupança oculta de que dispomos em nossa agricultura familiar sob a forma de solos mal trabalhados e aproveitados, uso de tecnologias ultrapassadas e subaproveitamento (penalização, diríamos melhor) de milhões de pequenos agricultores que tanto podem oferecer para seu próprio progresso e para o fortalecimento de um Programa de governo que visa substituir gradativamente o diesel de origem fóssil, de cuja importação ainda hoje o Brasil depende parcialmente, responsável por nada menos do que cerca de 50% de nossas necessidades de combustíveis para movimentar nossos veículos de transportes de passageiros e cargas. E não nos esqueçamos, como dizem acertadamente muitos, de que este País se move sobre quatro rodas.




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